O livro do cara passou uns 20 anos lá na prateleira da casa de meus pais. Chamava-se O Homem e Seus Símbolos. Era um livro com encadernação luxuosa, cheio de figurinhas e fotografias. Legal. Quando eu estava beirando os 30, em crise existencial, seja lá o que for isso, eu resolvi dar uma folheada naquele livrão, que até parecia trazer alguma explicação pra minha sonhadoria assombrada de todas as noites, e alucinações etílicas também. Rapaz, eu não sei se encontrei alguma resposta no livro, não, mas eu garanto que era muito mais divertido do que ler O Senhor dos Anéis! O cara tinha uma imaginação impressionante, e não escrevia pra fazer graça pra ningúem, garanto. Esse livro tinha sido escrito pra o público leigo, e foi o último que ele escreveu. O livro era uma introdução ao pensamenteo dele, bem mastigado. Acabei tomando gosto por esse tipo de leitura, e parti pra ler outros mais difíceis dele, dos quais eu entendia 10 páginas em cada 1.000, mas eu gostava, sei lá, eu acho que não sou muito normal mesmo... Às vêzes lia bêbado pra ver se ficava alguma coisa subliminarmente, hum...nunca funcionou ha ha ha (ou não)! Mas se eu escrevesse um “Guia para Idiotas”, escrito por outro, seria mais ou menos assim:
- Carl Gustav Jung (um bom nome pra gatos) nasceu lá pela Suiça no fim do século XIX. Era de uma família de pastores luteranos, pai e avô. Dizia a lenda, que talvez ele mesmo propagasse, ser ele descendente do maior escritor alemão de todos os tempos, Goethe. Bem, o pai era pastor, mas a mãe fazia seánces nas barbas do velho, quando este partia em algum trabalho pastoral. Então o menino ia pra igreja nos domingos, vivenciando uma religião protestante e dura, enquanto durante a semana frequentava reuniões espíritas, que começavam a florecer na Europa e EUA. Ele confessou várias vêzes, nos livros dele, ter um medo terrível do Deus cristão, mas se sentia atraído pelas 'experiências' espiritualistas. Muitos psicólogos da época também se interessaram por essas ‘experiências’ paranormais ou 'do além', mas geralmente se decepcionavam quando isolavam os médiuns, ou pacientes, e descobriam que a turma gostava mesmo era de pregar uma peça na ingenuidade dos outros, ou tinham problemas patológicos mesmo. Jung sempre afirmou categoricamente que não acreditava que eram espíritos que falavam pela boca dos outros (e até ficava mal pra um cientista entrar numa dessas), mas certamente a curiosidade foi atiçada por esse universo de transes, vozes, e comportamentos além da explicação. Também aprendeu Latim aos 8 anos de idade, o que o ajudou bastante nas pesquisas em livros antigos sobre religião, gnose, alquimia e filosofia.
- Os grandes temas, que ele desenvolveu ao longo de seu muitos livros, foram os ‘Arquétipos da Humanidade’, o ‘Inconsciente Coletivo’, o papel do Inconsciente e sua influência sobre o Consciente (umas das primeiras fissuras com a amizade de Freud), e a busca árdua em conhecer esse ‘Inconsciente', o que no final levaria a pessoa ao processo de ‘Individuação’. O ser humano seria um ‘Indivíduo’ (completo e em equilíbrio), quando mergulhasse e entendesse esse misterioso ‘Inconsciente’, que era tão ativo e ‘inteligente’ quanto o mais famoso ‘Consciente’. Aquele ‘Inconsciente’ também se comunicava com o ‘Consciente’ através de mensagens criptografadas, principalmente através dos sonhos e dos símbolos. Se não foi ele quem criou essas idéias, certamente elas ficaram marcadas como algo “jungiano”. Nunca ficou bem claro pra mim ( e acho que pra um bocado de gente), o que ele queria dizer com arquétipos. Se eram representações mentais, imagens, de dados biológicos inerentes a todo ser humano (DNA mesmo), ou um herança espiritual da humanidade (abrindo margem pra o misticismo e obscurantismo de que era tão criticado). No sopão do Jung então, de repente, um monte de gente sentiu que dava pra usar as teorias dele pra alguma coisa, principalmente os religiosos e teólogos, já que entre os arquétipos havia uma boa chance de se encaixar Deus no esquema, como uma idéia inerente à maioria da humanidade, assim como imortalidade, entre outras.
- Mas desde o começo ele também ficou famoso por desenvolver uma prática de consultório, onde o paciente era estimulado por uma palavra, e tinha que responder com a primeira que viesse à mente. Com isso, segundo ele, o médico poderia descobrir, ou ter uma idéia do 'complexo', ou 'constelação arquetípica' (vai que é mole) do paciente. Quem nunca chamou alguém de ‘complexado’ que atire a primeira pedra! Você já era jungiano e não sabia!
- Também ficaram famosos nos livros dele os 'Tipos Psicológicos', hoje tão propagados por qualquer Lair Ribeiro da vida: o Introvertido e o Extrovertido, cada um com uma maneira peculiar de enxergar a vida. Essa talvez seja a contribuição mais permanente dele hoje em dia, difícil de derrubar.
- Nos primeiros anos do século XX, inicia-se aquela que seria uma verdadeira amizade de Titãns, entre ele e Freud. Por incrível que pareça, Jung era mais conhecido nos meios médicos da Europa do que o fundador da psicanálise, que ainda era considerado obscuro, e conhecido apenas nos círculos de Viena. Eles tinham um verdadeira admiração um pelo outro, e trocaram centenas de cartas e idéias. Freud o admirava como filho (ou paixão mesmo?) e tinha em Jung o cara com a capacidade intelectual para levar o bastão a frente.
- Lá pelas tantas, Jung achou que o velho Freud tava numa de dogmatizar (palavras de Jung), tentando amarrar alguns pontos sem nó da teoria freudiana, principalmente os da sexualidade, traumas infantis, édipo etc, com 'verdades inquestionáveis', inaceitáveis para um cientista (do tipo "é assim porque tem que ser assim"), tudo em nome de uma estabilidade maior no sistema de pensamento dele.
- Freud, por outro lado, acusou Jung (com certa razão) de seguir por um caminho não científico e místico, e que estava 'viajando na maionese'. De tanto ler Jung, eu só conheço a versão dele, que dizia que o ser o humano era complexo e rico demais, que a vida era grande demais, pra você ter medo de arriscar, e até mergulhar no vácuo, ser fosse preciso, se houvesse a mínima chance de acertar. Ok. Isso não quer dizer que no final, como o acusam, ele não tenha criado uma estória mais rica que a de Harry Potter! O ser humano é capaz!
- Assim, já no fim da vida, o velho Jung atirou pra todos os lados, sem medo de perder a reputação de cientista, ou coisa que o valha, tipo tentar provar que a astrologia tinha fundamento (o que ele chegou a conclusão que não), depois de uma porrada de experimentos com centenas de pessoas, com mapas astrais meticulosamente traçados por especialistas etc. No fim, numa parte maçante do livro, ele chega a conclusão que não chegou a conclusão alguma, mas o velho tentou pra cacete, sem medo de ser feliz. Também tentou a mesma coisa com o I-ching, e chegou a conclusão que o negócio funcionava pra ele, embora tivesse um bocado de gente que não concordasse, mas ela não tava nem aí. Nas próximas postagens Robelix vai dar uma olhada nos temas mais populares dele (viraram cultura POP mesmo), ou seja, a ‘Sincronicidade’, Alquimia, e a aproximação com as religiões e filosofias orientais. Vai na bola!
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