terça-feira, maio 29, 2007

A Casa do Piano

Pouco antes de mudar-me da praia do Pina para o bairro do Cordeiro, aconteceu-me algo inexplicável! A minha mulher estava reclamando de que eu não fazia mais caminhadas, ao que respondi que todos os dias andava... até o bar da esquina. Ela dizia:

--Só pra chegar lá sentar, conversar e beber!

Na verdade, até que, ocasionalmente, dava boas caminhadas, pois ia ao banco ou a um centro médico a  uns oito quarteirões de distância. Numa dessas idas, quando voltava andando com cuidado para não cair, dei com a cabeça num orelhão mal colocado na minha rua. Fiquei tonto, a vista escureceu, mas tudo levou apenas alguns segundos. Após soltar um sonoro palavrão, prossegui no meu caminho e, no quarteirão seguinte, passei por uma casa antiga com janelas que pareciam ameias de um castelo medieval e elas estavam abertas. Olhando para dentro da casa vi ao fundo um piano numa sala com poucos móveis. Fui envolvido por enorme nostalgia. Lembrei-me do tempo que estudei música  durante 4 anos, dos oito ao aos doze anos, quando o piano foi vendido. Depois disso nunca mais cheguei perto de um teclado.

Vi então que havia uma velha senhora ao lado do piano, severamente vestida de preto. Ela sorriu e fez sinal para que eu entrasse, apontando para a porta. Eu disse em voz alta:

--Obrigado, mas eu não sei tocar -- mas ela insistia e eu acabei entrando. Disse à senhora:

--Faz mais de sessenta anos que não toco piano -- Ela respondeu :

--Sente, feche os olhos, coloque as mãos sobre o teclado -- e assim fiz. De repente, minhas mãos começaram a se mover e toquei a minha música preferida na época, "Ondas do Danúbio", de Ivanovitch, e em seguida "Fantasie Impromptu", de Chopin, e "Sonhos de Amor", de Liszt, e algumas outras.

Finalmente parei, as mãos doloridas, com os dedos duros! Fechei cuidadosamente a tampa e levantei-me para agradecer à senhora, mas ela não estava à vista. Disse então em voz alta:

--Muito obrigado, mas preciso ir agora! -- Silêncio total. Supondo que ela estivesse no banheiro, disse mais:

--Estou indo e pode deixar que fecho a porta!

Ao sair, virei-me para a casa. Foi quando senti uma mão no meu ombro. Abri os olhos e vi que estava sentado na calçada debaixo do orelhão. Alguém perguntou:

--Quer uma ambulância?

--Não obrigado, apenas uma ajuda para levantar-me. Assim feito, perguntei:

--O que houve?

--O senhor bateu com a cabeça no orelhão e desmaiou...

Agradeci e segui o meu caminho... Mais adiante, passei pela tal casa... Olhei pela janela e vi que estava abandonada e até uma parte do teto havia caído! Não pude me controlar e chorei copiosamente, tamanha a tristeza que me invadiu. Finalmente controlei-me e, enxugando as lágrimas na fralda da camisa, segui meu caminho. Felizmente a rua estava deserta e em minha casa não havia ninguém na sala. Entrei rapidamente, lavei o rosto, e fechei-me em meu quarto, confuso e sem entender o que havia acontecido.



Fica aqui no blog o registro de mais um caso "verídico", acontecido nas brisas do Pina, mantido na família até então apenas em tradição oral... o acontecido foi sofrido, narrado e escribado por meu pai, seu Riba, com caneta BIC azul, em papel carta pautado, digi-copiado por minha mãe que, após severas instruções minhas por telefone, posteriormente selecionou, copiou, e colou em caixa de mensagem eletrônica, enviando à minha caixa de correio, o que foi finalmente e minimamente editado e publicado por mim mesmo! Valeu, Papa!

quarta-feira, março 07, 2007

The King Of Cool

Um amigo morria de rir com a pronúncia de Nat em espanhol ou ficava imitando "The King Of Cool" a cantar "Monalisa", sempre abrindo bem o "a" final:

--Monalissaaa, Monalisaaa!-- Achávamos engraçado, mas éramos fãs do negro de voz macia e sofisticada e que também tocava piano como poucos da geração dele.

Mês passado, me peguei procurando por músicas de Nat King Cole, numa daquelas noites nostálgicas, quando qualquer barulho ou desarmonia já seriam estopim pra um ataque de nervos. Comecei a baixar umas músicas pra lá de antigas, que me retomavam à minha infância, quando vivia mexendo nos velhos vinis de meu pai pra ouvir o cara que, antes das gravações, fumava, em cadeia, cigarros mentolados "Cool"! Às vêzes fico rindo daquela técnica nada ortodoxa e politicamente incorreta, provavelmente seguida por Sinatra e Bennett, de trabalhar a voz com bourbon, monóxido de carbono e nicotina! Provavelmente os mesmos cigarros acabaram com ele num câncer fulminante de pulmão, mas que a voz era bonita, isso era!

Quando a noite começou hoje, acabei por desencavar uma garrafa contendo algumas horas de Johnnie Walker e fiquei zanzando pelo Youtube, procurando por vídeos de Nat. Achei coisas raríssimas e belas. Vários duetos com Ella Fitzgerald, com Mahalia Jackson, este último, por sinal, emocionante, e até um com Billy Preston, o genial tecladista, na época com uns 10 anos de idade!

O que mais me empulha, pra usar a palavra certa, é o desempenho dele como pianista, coisa que era abafada pela carreira genial como cantor. Nos vídeos com o trio , formação que praticamente inventou, de piano, baixo e guitarra, ele toca de bandinha para o piano e de frente para a platéia! Sempre achei essa postura coisa de pianistas de Blues, nos bares "Honky-Tonky" enfumaçados da América, mas ali estava a própria sofisticação em pessoa tocando com uma naturalidade que até incomoda a quem é músico, cantando e rindo. Perfeito! É incrível como quase não se ouve Nat King Cole ou quase nada que preste nestes dias...

Fim de noite. O relógio já bate ( como se eu tivesse um que batesse!) umas 11 da noite. O cinzeiro já vai abarrotado, não de Cools, mas enfim...As pedras de gelo já boiam na última dose (como se eu medisse em doses!), quando decido arrematar minha noite inebriante com Nat King Cole. Mas aí  acontece uma daquelas coincidências de deixar um cara pensando...ou melhor, a coincidência já estava acontecendo há um bom tempo, e eu não sabia.

Estou eu aqui feliz com essas facilidades da Internet e uma boa conexão, é claro, de poder, num estalo, resolver ouvir e ver alguém e, de fato, em segundos, estar com o vídeo na sua frente. Resolvo fechar a sessão com algumas informações biográficas, acho que na Wikipedia. Abro a página que mostra-o um pouco sério, num terno impecável e, de repente, esbarro na data da morte dele...

Há exatos 42 anos, num mesmo 15 de Fevereiro (hoje), falecia "The King of Cool", Mr Nat King Cole... Na verdade eu não sei de onde veio essa idéia de ouvi-lo. Eu agora não consigo lembrar de coisa alguma que tenha disparado essa vontade, mas, como sempre, também não perco muito tempo querendo explicar coincidências: digamos que eu interpretei a coincidência assim: é pra divulgar aqui no robelixblog a existência deste artista extraordinário que, em 1965, resolveu ir cantar em outras freguesias mais afortunadas do que a nossa. Emborco o final da mistura de malte com água e vou dormir cantando "unforgettable, that's what you are"...