But he could play guitar like ringing a bell...
(Em "Johnny B. Good" - Música clássica do século XX)
A platéia estava toda de pé, da última fila ao gargarejo, batendo palmas e pedindo bis. Os seguranças tentavam em vão fazer-nos retornar às cadeiras, mas nem dávamos atenção a eles. De repente as luzes apagaram-se, e o velho mago retornou por detrás das cortinas, dessa vez com sua guitarra "V shape", e o slide no dedo. Ele sentou-se quase ao alcance das nossas mãos, e agradeceu com o mesmo sorriso tímido do menino de 13 anos, que dizia a todos que um dia tocaria com Muddy Waters. Ele contou até quatro, e a última coisa que me lembro foi que o mundo desabou, não por causa das forças da natureza, mas desconstruido no contato do aço das cordas com o gargalo de um tubo de whiskey...
Atlanta, numa tarde de outono, em meados de 2004. Vinha do dentista, por um caminho que nunca usava por causa do trânsito terrível. De repente dei uma olhada à minha esquerda, e meus olhos pairaram sobre os letreiros do teatrinho, anunciando Johnny Winter, o guitarrista albino do Texas, em uma semana...
O show foi numa noite de quarta-feira e, já no bar do teatro, conheci uma daquelas figuras que sempre encontramos nesses tipos de eventos: ele era um "senhor", com um certo ar de louco, de seus 60 anos de idade, de botas, calças jeans e jaqueta dos "Hell's Angels". Ele logo engrenou um papo com a gente sobre os bons tempos dos anos 60 e 70, quando assistiu a alguns "showzinhos" básicos, tipo Led Zeppelin e Cream, até Stevie Ray Vaughan nos 80! Eu já estava acostumado àquele tipo de relato, e já nem ficava mais descrente, tamanho o número de pessoas que eu tinha conhecido, e que contavam as mesmas estórias de Rock e Blues, e shows alucinantes. Ele nos contava que tinha se aposentado da indústria automotiva, e agora só tocava guitarra nas jams da cidade... Um plano de aposentadoria nada mal pra quem já tinha visto tanto!
Fui ao show com um casal amigo, e nos sentamos na terceira fila. Ficamos ali nos revezando na busca das cervejas, e assistindo ao show de abertura. Eu tentava "doutrinar" meus amigos contando estórias de Johnny, de como ele tinha colocado o nome nas enciclopédias de Blues e Rock, desde Woodstock até produzir e tocar com Muddy Waters, o rei de Chicago, que o chamava de filho. Em 40 anos de carreira, ele continuava fiel às raízes, sem nunca se vender aos modismos.
Enfim a banda entrou e começou a botar a casa abaixo. No meio da música ele surgiu, aquela figura fantasmagórica, tatoos por todo o corpo, cabelos longos e branquíssimos, um chapéu enorme, e empunhando sua amiga guitarra "Firebird". Para minha surpresa, ele precisava de um guia para chegar até o microfone, e pensei em voz alta: "Uau, o cara já entrou carregado!", ao que meu amigo disparou com um olhar de reprovação: "pelo amor de Deus, Roberto, o cara é cego!". Caramba, aquela foi terrível, mas eu não sabia que ele era "legalmente cego", como dizem, de tão pouco que enxergava!
Mas que diferença fazia, se ele era cego, ou não, se os dedos voavam a todo lugar que ele mandava? Ele manteve a platéia hipnotizada durante todo o show, especialmente nos blues mais lentos, onde ele ia buscar grunhidos que Deus ou o diabo sabiam onde, e solos apocalípticos. O velho Merlin, apesar de certa fragilidade, continuava senhor absoluto da guitarra, e cada vez mais eu ia afundando na cadeira, de cabelo em pé, amaldiçoando a idéia de ter sentado, em vez de ter ficado perto do bar...
Durante o show, numa daquelas esquisitices nos EUA, a platéia foi super comportada, e todos ficaram confortavelmente sentados. Quando tudo parecia terminado, já demorando muito pra um bis, alguém teve uma idéia brilhante: um louco, de botas, calças jeans e jaqueta dos "Hell's Angels" disparou em direção ao gargarejo, batendo palmas e gritando de uma maneira ensandecida! Meus amigos me olharam com aquele ar de perplexidade, como quem esperando por explicações, ou seriam instruções... Ao que eu nem pestanejei: "sigam aquele doido!". Num segundo estávamos saltando das cadeiras atrás do cara! Podiam até acusar os brasileiros de terem bagunçado, mas não fomos nós que começamos!
Após o show ainda fomos a um boteco lá perto, comemorar a noite, felizes por termos visto de perto o albino Johnny Winter, que entrou para a história porque, pelo menos para ele, tocar guitarra era algo tão fácil quanto tocar um sino!
Notas do Clip: Eu sempre gosto de deixar o pessoal bonito na fita aqui. Atualmente, Johnny Winter está com uns bons 60 e tantos anos. Ele está praticamente cego e a vida que ele levou ao pé da letra, de sexo, rock'n roll e drogas, fez estrago no mago da guitarra, apesar de ele ainda soar excelente. Mas no clip ele está ainda novinho, mais ou menos na época em que ele gravou "The Progressive Blues Experiment", uma jóia do Blues/Rock, por volta de 1969. A banda é composta do baterista Uncle John Turner, que por sinal está "travadíssimo", certamente devido ao uso de substâncias abusivas, bem normal na época; Edgar Winter, o mano albino no piano e, por último, o baixista Tommy Shanon, novinho de ainda usar fraldas, que viria a ficar famoso acompanhando Stevie Ray Vaughan na banda lendária "Double Trouble". A música "Johnny B. Goode" foi escrita por outro monstro do Rock, Chuck Berry, um dos pais do Rock'n Roll, mas que se aplica perfeitamente ao albino que veio do Texas!
(Em "Johnny B. Good" - Música clássica do século XX)
A platéia estava toda de pé, da última fila ao gargarejo, batendo palmas e pedindo bis. Os seguranças tentavam em vão fazer-nos retornar às cadeiras, mas nem dávamos atenção a eles. De repente as luzes apagaram-se, e o velho mago retornou por detrás das cortinas, dessa vez com sua guitarra "V shape", e o slide no dedo. Ele sentou-se quase ao alcance das nossas mãos, e agradeceu com o mesmo sorriso tímido do menino de 13 anos, que dizia a todos que um dia tocaria com Muddy Waters. Ele contou até quatro, e a última coisa que me lembro foi que o mundo desabou, não por causa das forças da natureza, mas desconstruido no contato do aço das cordas com o gargalo de um tubo de whiskey...
Atlanta, numa tarde de outono, em meados de 2004. Vinha do dentista, por um caminho que nunca usava por causa do trânsito terrível. De repente dei uma olhada à minha esquerda, e meus olhos pairaram sobre os letreiros do teatrinho, anunciando Johnny Winter, o guitarrista albino do Texas, em uma semana...
O show foi numa noite de quarta-feira e, já no bar do teatro, conheci uma daquelas figuras que sempre encontramos nesses tipos de eventos: ele era um "senhor", com um certo ar de louco, de seus 60 anos de idade, de botas, calças jeans e jaqueta dos "Hell's Angels". Ele logo engrenou um papo com a gente sobre os bons tempos dos anos 60 e 70, quando assistiu a alguns "showzinhos" básicos, tipo Led Zeppelin e Cream, até Stevie Ray Vaughan nos 80! Eu já estava acostumado àquele tipo de relato, e já nem ficava mais descrente, tamanho o número de pessoas que eu tinha conhecido, e que contavam as mesmas estórias de Rock e Blues, e shows alucinantes. Ele nos contava que tinha se aposentado da indústria automotiva, e agora só tocava guitarra nas jams da cidade... Um plano de aposentadoria nada mal pra quem já tinha visto tanto!
Fui ao show com um casal amigo, e nos sentamos na terceira fila. Ficamos ali nos revezando na busca das cervejas, e assistindo ao show de abertura. Eu tentava "doutrinar" meus amigos contando estórias de Johnny, de como ele tinha colocado o nome nas enciclopédias de Blues e Rock, desde Woodstock até produzir e tocar com Muddy Waters, o rei de Chicago, que o chamava de filho. Em 40 anos de carreira, ele continuava fiel às raízes, sem nunca se vender aos modismos.
Enfim a banda entrou e começou a botar a casa abaixo. No meio da música ele surgiu, aquela figura fantasmagórica, tatoos por todo o corpo, cabelos longos e branquíssimos, um chapéu enorme, e empunhando sua amiga guitarra "Firebird". Para minha surpresa, ele precisava de um guia para chegar até o microfone, e pensei em voz alta: "Uau, o cara já entrou carregado!", ao que meu amigo disparou com um olhar de reprovação: "pelo amor de Deus, Roberto, o cara é cego!". Caramba, aquela foi terrível, mas eu não sabia que ele era "legalmente cego", como dizem, de tão pouco que enxergava!
Mas que diferença fazia, se ele era cego, ou não, se os dedos voavam a todo lugar que ele mandava? Ele manteve a platéia hipnotizada durante todo o show, especialmente nos blues mais lentos, onde ele ia buscar grunhidos que Deus ou o diabo sabiam onde, e solos apocalípticos. O velho Merlin, apesar de certa fragilidade, continuava senhor absoluto da guitarra, e cada vez mais eu ia afundando na cadeira, de cabelo em pé, amaldiçoando a idéia de ter sentado, em vez de ter ficado perto do bar...
Durante o show, numa daquelas esquisitices nos EUA, a platéia foi super comportada, e todos ficaram confortavelmente sentados. Quando tudo parecia terminado, já demorando muito pra um bis, alguém teve uma idéia brilhante: um louco, de botas, calças jeans e jaqueta dos "Hell's Angels" disparou em direção ao gargarejo, batendo palmas e gritando de uma maneira ensandecida! Meus amigos me olharam com aquele ar de perplexidade, como quem esperando por explicações, ou seriam instruções... Ao que eu nem pestanejei: "sigam aquele doido!". Num segundo estávamos saltando das cadeiras atrás do cara! Podiam até acusar os brasileiros de terem bagunçado, mas não fomos nós que começamos!
Após o show ainda fomos a um boteco lá perto, comemorar a noite, felizes por termos visto de perto o albino Johnny Winter, que entrou para a história porque, pelo menos para ele, tocar guitarra era algo tão fácil quanto tocar um sino!
Notas do Clip: Eu sempre gosto de deixar o pessoal bonito na fita aqui. Atualmente, Johnny Winter está com uns bons 60 e tantos anos. Ele está praticamente cego e a vida que ele levou ao pé da letra, de sexo, rock'n roll e drogas, fez estrago no mago da guitarra, apesar de ele ainda soar excelente. Mas no clip ele está ainda novinho, mais ou menos na época em que ele gravou "The Progressive Blues Experiment", uma jóia do Blues/Rock, por volta de 1969. A banda é composta do baterista Uncle John Turner, que por sinal está "travadíssimo", certamente devido ao uso de substâncias abusivas, bem normal na época; Edgar Winter, o mano albino no piano e, por último, o baixista Tommy Shanon, novinho de ainda usar fraldas, que viria a ficar famoso acompanhando Stevie Ray Vaughan na banda lendária "Double Trouble". A música "Johnny B. Goode" foi escrita por outro monstro do Rock, Chuck Berry, um dos pais do Rock'n Roll, mas que se aplica perfeitamente ao albino que veio do Texas!
Um comentário:
Ai ai ai ai, como sempre uma maravilha! Podemos dizer que já velho, mas a vontade é o que importounesse show. E algo que sempre irei repetir: alma. Quando é com a alma é tudo mais belo, é a verdadeira beleza e o Johnny que conheci há poucos meses, graças ao grande Morcegão *=D, não nega competência. Amei conhecer seu trabalho, mas ainda tenho muito o que buscar dele.
Ir até o último momento, sempre bom quando se cuidando, mas enfim...o cara!
Bjão, querido baixista sortudo.
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