sexta-feira, novembro 24, 2006

Morango Jungle e o Canavial Blues

Em 1998, eu conheci Jô Pinto, atual baterista da El Mocambo, recém-chegado do Sul, e Alexandre Santiago, veterano da guitarra na cena do Recife. Juntos formamos a Morango Jungle, um nome psicodélico para um trio nem tão louco assim. A proposta era tocar Blues-Rock de qualidade e, com poucos ensaios, já estávamos batalhando nas noites do Recife. A banda tinha um som vigoroso e inclinado à improvisações, bem ao estilo do Cream ou a El Mocambo aqui na cidade.

Depois de algum tempo, conseguimos gravar um CD demo e enviamos a bolhachinha para um monte de gente na esperança de conseguir mais espaços. Gravamos o disco com a auxílio luxuoso do nosso amigo Junior Areia, excelente baixista, que hoje está com Fred 04 e que atuou como nosso técnico de som e fez a mixagem. Passamos apenas uma manhã no estúdio e colocamos lá 4 clássicos pra que as pessoas pudessem ter uma idéia do som da banda, inclusive com uma versão mais dançante de “I Shot The Sheriff”,de Bob Marley, mais “The Thrill is Gone”, “Hoochie Coochie Man” e “Crossroads”.

Uma noite, já meses depois da gravação, uma coisa inusitada aconteceu: Alexandre recebeu um telefonema de um cara com sotaque paulista que queria informações sobre o disco e saber como poderia conseguir algumas cópias. Alexandre achou engraçado o sotaque e perguntou se ele era de São Paulo. Ele respondeu que não apenas 'era', mas estava naquele momento falando de Sampa! O cara contou que tinha acabado de comprar a Guitar Player brasileira e essa tinha uma nota sobre “um trio promissor de Blues-Rock no nordeste”, assinada por Márcio Okayama, guitarrista e colunista da revista, que tinha uma fama terrível de arrasar com CDs Demo de que ele não gostava. Daí sempre brincarmos que ele tinha tomado umas na noite em que ele escreveu a nota e “se engraçou” com a gente! Mas o disco estava razoavelmente bem feito, se comparado às nossas parcas condições financeiras!

O bom dessa estória do disco é que ganhamos mais confiança e em pouco tempo estávamos recebendo Greg Wilson, o americano tornado carioca, guitarrista e vocalista da banda pioneira Blues Etílicos, para a primeira turnê dele pelo nordeste. Na verdade, era a primeira vez que ele saía do Rio pra tocar com outros músicos, num projeto solo, e ficamos aqui esperando com certa ansiedade. Mas quando finalmente o conhecemos, qualquer expectaviva de encontrar alguma estrela do Blues, cheia de manias e luxos, foi logo dissipada no único ensaio que fizemos. Ele já chegou com um pack de cerveja, o que nos agradou imensamente, e da maneira mais informal possível passamos só o início das músicas para, segundo ele, não perder o tesão de toca-las, e os finais a gente veria na hora, no show!

A mini turnê foi sensacional, com shows em João Pessoa, Recife e Maceió. O show em Recife foi casa cheia, no finado “Bola Gato”, aquele bar enorme que existia atrás do Arsenal da Marinha, e um inspirado Greg sacou até um trumpete para solar, coisa que nem sabíamos que ele tocava! Estávamos nos divertindo bastante, mas ninguém sabia que tínhamos começado a turnê com uma aventura bem inusitada. Antes de tocar aqui, tínhamos ido primeiro a Maceió. Enquanto seguíamos para a capital alagoana, estávamos ali na maior descontração, naquela de se conhecer, quando nos deparamos com um grupo de Sem-Terras fechando a BR bem na nossa cara! O povo já ía colocando os pneus velhos na estrada para aquela tradicional fogueira de fumaça negra! Ficamos ali sem ação e preocupados, não só com os horários, mas também por estarmos perto demais das manifestações. Quem quebrou o silêncio foi o motorista, quando disparou: “acho que tenho uma idéia!”...

Por onde entramos eu não sei. A única lembrança que tenho é do carro cortando por dentro de um monte de cana, buracos, montes e o diabo a quatro. Era uma cena louca, melhor “apreciada” por mim que estava na frente. Não havia coisa alguma que você pudesse chamar de “caminho”, rua, passagem, nada, só cana, buraco e lama pela frente. Eu não tenho a menor idéia como aquele cara estava se guiando. Nem com bússola eu acharia meu caminho ali! E de repente aconteceu o inevitável: atolamos...E “de cum força”, como dizemos aqui. Descemos para avaliar a situação, e as rodas traseiras estavam totalmente submersas naquela lama de barro. Tivemos que descer todos os instrumentos e bagagem pra aliviar a carga, e também calçar a roda com palhas de cana, ou coisa parecida. De todos ali o mais disposto era Greg, que pôs literalmente a mão na massa na operação! Depois de muita luta conseguimos desatolar, não sem antes um belo banho de lama quando o carro acelerou. A cena foi hilária, e nos uniu bastante pra os shows que estavam pra acontecer. Passamos o resto do fim de semana rindo da desgraça do outro, e nos comprometemos a fazer uma música sobre aquela saga, mas nunca cumprimos a promessa. A música seria apropriadamente chamada “Canavial Blues”, sobre a ironia fina, pra não dizer sarcasmo, dos deuses do Blues, que nos jogaram literalmente na lama de uma plantação (que só faltava ser de algodão!), pra termos uma pequena amostra do espírito do Blues, e que fortaleceu laços também, para a missão que tínhamos pela frente.

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